Goiânia é minha cidade natal, ponto de partida de minha aventura pelo Meu Mediterrâneo. Eu a chamo Princesinha do Cerrado. Dela não tenho como me separar. Por isso, levo-a comigo nesta página, apresentando-a por onde eu passar. Goiânia é cidade boa demais da conta para viver e investir! Então, que os amigos sejam bem vindos a Goiânia, Goiás, Brasil!

sábado, 31 de maio de 2014

Os jardins invisíveis de Goiânia*

Natália Garcia*

Viajando pelo Centro-Oeste, fiz uma descoberta inesperada: Goiânia é a cidade com mais potencial no Brasil. Pelo menos na minha humilde opinião, que tem como base de comparação todas as outras cidades que conheço no país. Potencial, vejo aqui no meu dicionário de analogias, tem relação com as ideias de poder e inexistência. Goiânia tem uma estrutura, topografia, clima e cena artística que poderiam transformá-la numa cidade incrível. Só que hoje, essa possível cidade incrível ainda não existe. E para ativar esse potencial é preciso conhecer sua história.

Goiânia foi planejada em 1933 para ser a capital de Goiás como parte da Marcha para o Oeste, do então Presidente do Brasil Getúlio Vargas. Seu desenho, concebido pelo urbanista Atílio Corrêa Lima (que revisou o plano anterior, de Armando de Godoy), foi inspirado nas ideias do também urbanista inglês Ebenezer Howard, que propunha o fim da dualidade entre os mundo urbano e rural. Howard queria que as cidades fossem pequenas vilas para até 35 mil habitantes cercadas de verde, de onde viriam os alimentos para abastecê-la. Essa ideia de uma cidade-jardim norteou a urbanização de várias cidades pelo mundo, como é o caso do Setor Sul de Goiânia.

Setor Sul, Goiânia, Goiás, Brasil
O coração desse bairro central na cidade seria uma rede pública de jardins, por onde as pessoas caminhariam a pé. As casas ficariam de frente para essa cidade verde e de costas para pequenas vielas, por onde os carros passariam para entrar nas garagens. O problema é que os moradores viraram Goiânia do avesso: construíram as casas de frente para os becos asfaltados e de costas para os jardins. Com os tempos, esses becos foram sendo aumentados, rasgando os jardins ao meio, como acontece na Rua Cora Coralina.

Hoje, os jardins estão isolados pelos muros dos fundos das casas. E, de uns tempos para cá, esses muros começaram a ser ocupados por grafites incríveis. Foi graças a Carol Farias e ao seu marido e sócio André Gonçalves na empresa Sobreurbana que conheci os jardins invisíveis de Goiânia. Eles os apresentaram a muitos moradores locais que também não conheciam a região em uma Jane’s Walk, uma caminhada inspirada nas ideias da jornalista e ativista Jane Jacobs. Daí fizeram a gentileza de repetir o percurso comigo.

Quando a noite caiu, ficamos em silêncio debaixo de uma árvore vendo a lua cheia subir pelo céu. Os sons de cigarras e grilos tomaram conta do mato. No coração da cidade, tive a sensação de estar no meio da floresta. Lembrei que a palavra silêncio, em tupi-guarani, é quiriri. Não parece fazer muito sentido se pensarmos que a língua indígena é onomatopeica, as palavras imitam os sons das coisas. Mas é mais ou menos assim o silêncio da floresta: quiriri quiriri quiriri quiriri quiriri quiriri...


Encontramos, em seguida, com a ilustradora Sophia Pinheiro, que sonha em transformar os jardins invisíveis de Goiânia em uma grande galeria de arte a céu aberto. Ainda curtindo o barato daquela experiência, compreendi que o potencial de Goiânia está justamente na visão de pessoas como a Sophia, a Carol e o André. A vida, diz o filósofo Soren Kiergaard, “só se entende olhando para trás, mas só se vive olhando para a frente, ou seja, para o que ainda não existe”.


Por isso, volto a afirmar: Goiânia é a cidade com mais potencial (poder + inexistência) do Brasil.


GARCIA, Natália. Os jardins invisíveis de Goiânia. Revista Super Interessante: Blog Cidades para Pessoas. Ed. Abril. São Paulo, 30 maio 2014. Disponível em: <http://super.abril.com.br/blogs/cidadesparapessoas/2014/05/30/os-jardins-invisiveis-de-goiania/>. Acesso em: 30 maio 2014.